“Pior (talvez) : em 2023, quando começar o próximo mandato, serão já quase dez anos de conflitos internos que romperam o tecido social, dissolveram o pacto de cavalheiros que manteve em temperatura aceitável as divergências capitaneadas por PT e PSDB e, ainda mais grave, desfizeram amizades e até laços de sangue.”

Não, não quero discutir quem será o próximo presidente. Fala-se disso o tempo todo. Quero falar do perfil que precisará ter.
Ele vai colher um Brasil devastado. Fomos um dos países que pior lidou com a pandemia. Quando a economia global voltar a crescer – e talvez cresça com fúria, com gula por commodities, como as que o Brasil fornece – nosso país estará com deficiências graves.
Vai demorar a recuperar-se dos danos à saúde. Terá morrido ou estará com sequelas sérias muita gente necessária ao desenvolvimento econômico. Os custos com a saúde serão bem mais altos do que se tivéssemos investido pesado na prevenção (máscaras, distanciamento etc etc).
Pior (talvez) : em 2023, quando começar o próximo mandato, serão já quase dez anos de conflitos internos que romperam o tecido social, dissolveram o pacto de cavalheiros que manteve em temperatura aceitável as divergências capitaneadas por PT e PSDB e, ainda mais grave, desfizeram amizades e até laços de sangue.
Isso, sem falar nos desastres para a economia, uns causados pela má gestão da pandemia, outros pela inépcia na direção dos assuntos econômicos.
O ódio terá sido nossa herança.
Quer dizer que o próximo presidente precisaria ser alguém capaz de dirigir o País com firmeza e habilidade, de recompor diálogos, de agregar gente em vez de desagregar. Teremos tido quase dez anos de guerra civil verbal. Precisaremos de paz – mas paz com firmeza, não simplesmente uma passagem de pano.
Quando Dilma e Serra disputaram a presidência, em 2010, escrevi um artigo na Folha, dizendo que havíamos tido dois presidentes que eram líderes – FHC e Lula – e o cargo estava sendo disputado por dois gerentes.
E comentei: é raro termos líderes. (O líder não precisa conhecer os dossiês técnicos, o que ele precisa é entender o que os especialistas explicam para ele e transformar isso em política, persuadindo os atores sociais e, também, a sociedade, o povo, o eleitorado).
Agora, para recompor a economia, restabelecer os laços sociais, fazer o País avançar, será necessário um líder. Mas haverá? A grande maioria dos candidatos não tem esse perfil. E ficou tão grande a raiva, a divisão, aumentou tanto a fome e a mortalidade, que não vai ser tarefa para qualquer um.
Renato Janine Ribeiro é um professor de filosofia, cientista político, escritor e colunista brasileiro. Foi ministro da Educação do Brasil, entre abril e setembro de 2015. É Professor-titular da cadeira de Ética e Filosofia política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa o que pensa o blog Traço de União.
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